24.10.07

Relembrando os fundamentos fundamentais

[1]
[2]
No princípio, antes mesmo daquela grande explosão e dos dinossauros, existiam três fundamentos fundamentais a saber:

1) Sempre existe um idiota [3];
2) Nunca dá tudo certo;
3) O cinismo resolve tudo [4].

Como esses fundamentos são, necessariamente, auto-geradores - moto-contínuo - eles se tornam as três dialéticas da humanidade.

DIALÉTICA [5]

Um conceito inteiramente certo, por ser impossível de ser provado inteiramente errado. Usa-se quando se quer parecer inteligente, ou seja, idiota, ou seja, nunca dá tudo certo, ou seja, cinismo sempre resolve, ou seja, infinitamente. Chegamos então a:

TRIALÉTICA

a. Supera a dialética por ser infinito.
b. Logo, Trialética é o todo.
c. A unidade é a Trialética.

NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Se você não entender nada, sussa, dá tudo exatamente na mesma.
[2] Como foi formulada por bons historiadores, o texto da Trialética já se inicia com notas de rodapés.
[3] Se você não reconhece nenhum idiota, perigas de o idiota ser você. Mas não se preocupe, isso não exclui a possibilidade de infinitos idiotas.
[4] Se não der certo (afinal, nunca dá tudo certo) tente usar a verdade, apesar desse negócio de Verdade ser de um cinismo absoluto.
[5] Decidimos conceitualizar as idéias aqui utilizadas para que os filósofos não acusem injustamente os historiadores de não terem conceitos.

13.10.07

Lançamento da revista Trialética

No dia 17/10/2007 será lançada, oficialmente, a Revista Trialética. O lançamento ocorrerá no 1º EPEGH que é um encontro dos estudantes de Geografia e História da USP que estão desenvolvendo alguma pesquisa em suas respectivas áreas.

Para quem quiser acompanhar o lançamento da revista in loco, o lançamento ocorrerá no dia 17/10 no prédio de História e Geografia da USP, a partir das 09:30h da manhã.

Uma vez que a revista não foi impressa em quantidade para ser distribuída, disponibilizamos aqui um link para aqueles que desejam fazer o download na íntegra de nossa revista e lê-la no computador ou até mesmo imprimí-la em casa.

De antemão autorizamos a utilização do conteúdo da revista livremente, desde que autor, revista e o site sejam devidamente citados nos textos.

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4.9.07

CUSPIDA NO OLHO: Eduardo Bueno: apropriação ou disseminação do conhecimento histórico?

Apesar de muitos historiadores torcerem o nariz para o jornalista Eduardo Bueno, eu tenho aprendido a respeitá-lo muito, especialmente neste último ano, em que cursei meus primeiros dois semestres do curso de História. Apesar do tremendo clichê, um cara que consegue fazer com que a História pareça menos chata ao público não "iniciado", vendendo centenas de milhares de livros que versam, basicamente, sobre História do Brasil e Ibérica, só pode merecer todo o meu respeito e admiração.

Durante muitos anos, acreditou-se que as pessoas não gostavam de História, uma vez que não consumiam a produção dos historiadores de fato, isto é, os acadêmicos. Contudo, nos últimos anos, temos visto uma explosão editorial de publicações que abordam a história sobre os mais diferentes pontos de vista. Tal explosão põe em cheque a antiga crença de que o público brasileiro não gosta de História. Hoje, se passarmos em frente a uma banca de jornal razoavelmente abastecida, veremos um sem-número de publicações cujo tema central é História. Mais do que isso, veremos que tais publicações conseguiram obter relativo sucesso editorial, tendo a maioria logrado publicar mais de 24 edições, ou seja, dois anos consecutivos. Há desde revista publicada pela Biblioteca Nacional, escrita por historiadores acadêmicos e pesquisadores do seu acervo, até revistas de grandes editoras que acabam abrindo espaço para que os leitores enviem seus textos para seleção do conselho editorial da revista. Isso sem falar nas revistas temáticas sobre guerras, revistas de História em espanhol, e até mesmo em inglês. Ao contrário do que se pensava, parece que o tema história é realmente atrativo a um público bem diversificado de leitores, atingindo mesmo aqueles que não seguiram carreira acadêmica na área de História. Ao constatarmos isso, nos perguntamos: até que ponto podemos dizer que a população em geral não gostava de História? Será que o problema não estava na narrativa dos antigos historiadores que não conseguiam atrair o público para os resultados de suas pesquisas?

A resposta se obtém com uma rápida análise do sucesso obtido pelas obras de Eduardo Bueno junto ao público não especializado. Raros são os historiadores que conseguem atingir os mesmos níveis de estatísticas de vendas e chamar tanta atenção para seus trabalhos, da forma como Bueno vem fazendo nos últimos dez anos com sua obra. Recentemente estive lendo alguns de seus livros, em especial um sobre o pau-brasil, publicado em 2002 pela Axis Mundi e fiquei bem satisfeito com a qualidade editorial e de conteúdo do livro. Historiadores que o criticam por se apropriar das pesquisas dos outros e não partir para pesquisa de campo talvez precisem rever suas posições. Pau-brasil é um livro bem pesquisado que propõe, dentre outras, uma abordagem bastante instigante quanto aos primeiros anos da exploração do pau-brasil nas costas brasileiras, sugerindo algumas implicações como um pré-descobrimento do Brasil pelos mesmos portugueses, por exemplo. Para essa afirmação, utilizam como base documentação primária que afirmam a exploração dessas árvores já na primeira viagem dos portugueses comandada por Cabral. Utilizando uma lógica clara, os autores questionam como os portugueses, que jamais haviam visto as árvores de pau-brasil na vida, a reconheceram rapidamente no meio da exuberante mata Atlântica em questão de uma semana, já levando exemplares da madeira na primeira naveta que retornou a Portugal logo após o descobrimento.

Enfim, o objetivo não é destacar um livro, mas chamar atenção para o fato de que talvez alguns historiadores se sintam enciumados ao verem um jornalista tomar o espaço e ganhar o respeito da comunidade por exercer uma atividade que, na cabeça deles, cabe exclusivamente a um historiador, mesmo que este não tenha a menor aptidão de se conectar com seu público através do seu texto.

Como estudante de História, minha modesta opinião é que nós, historiadores (e futuros historiadores), devíamos deixar um pouco de lado este ranço que parece existir contra os jornalistas e passarmos a nos preocupar um pouco mais com a narrativa de nossos trabalhos, uma vez que o espaço que está sendo aberto no mercado editorial deve-se, em boa parte, justamente a esses jornalistas que tornaram a História algo um pouco mais palatável ao público não especializado.

Na verdade, entendo que deveríamos aproveitar essa abertura do mercado para as produções da área de História, pois esta é uma rara oportunidade, não só de publicarmos nossos trabalhos, mas também de divulgarmos o conhecimento histórico a um público que foi considerado pela própria academia como inculto e desinteressado. Vejo esta como uma boa oportunidade de cevarmos e cativarmos este público, ajudando a reverter o atual quadro do descaso cultural, levando um pouco mais de conhecimento a uma população tão carente, que vive do consumo do lixo cultural enlatado empurrado pela TV aberta através de suas novelas, reality shows e programas de auditório.

Portanto, entendo que cabe a nós fazermos de nossos livros, textos mais interessantes e abrangentes, isto é, não voltados apenas aos nossos pares, antes de criticarmos quem consegue transformar essas nossas mesmas pesquisas em livros atrativos a um público que freqüentemente voltávamos as costas.

Por Rogério Beier
Mar/2007

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17.4.07

ENTREVISTA: Apresentação do Georges Bourdoukan

Nessa primeira conversa do Tertúlia com Tortillas temos a honra de apresentar o jornalista e escritor Georges Bourdoukan, com quem conversamos por mais de uma hora na redação da revista Caros Amigos em fevereiro de 2007.

Georges Latif Bourdoukan nasceu em Miniara-Akkar, Líbano, no ano de 1943. Aos dez anos de idade, vem para o Brasil junto com seu irmão. Aos catorze começa a ter os primeiros problemas na escola ao fundar um jornal de crítica à diretoria, chamado Tortura dos Cérebros. É expulso do colégio. Nessa mesma época é preso pela primeira vez, por militar no movimento estudantil secundarista como secretário-geral da UPES (União Paulista dos Estudantes). Aos dezoito inicia sua carreira jornalística no diário Última Hora, que posteriormente seria fechado pela ditadura.

De lá pra cá, teve uma vida muito ativa, tendo trabalhado em vários jornais, revistas e canais de tv. Trabalhou nas revistas Quatro Rodas e Placar, além de ter fundado o Jornal de Jerusalém, dirigido a Revista Palestina, órgão oficial da OLP no Brasil, e também a Revista dos Estados Árabes. Durante os anos de chumbo, trabalhou na TV Cultura junto com Vladimir Herzog, tendo sido seqüestrado e torturado pelo segundo exército um ano antes deste. Também fez parte do núcleo diretivo do programa Globo Repórter, da TV Globo, de onde nos conta uma experiência curiosa que afetou bastante a vida do brasileiro.

Após todos estes anos trabalhando com o jornalismo, decide dedicar-se a carreira de escritor, tendo escrito e publicado quatro livros de sucesso: O Peregrino, A Incrível e Fascinante História do Capitão Mouro, Vozes do Deserto e Apocalipse (teatro). Atualmente, também colabora com a revista Caros Amigos, onde tem uma coluna mensal.

Numa conversa franca e aberta, Bourdoukan vai nos contando algumas das experiências que viveu nestes mais de quarenta anos de jornalismo, sua infância no Líbano, a chegada no Brasil, o trabalho de jornalista durante a ditadura e sua vida de escritor de livros de sucesso. Tudo isso, com uma boa quantidade de informações históricas que Bourdoukan ia incluindo de maneira descontraída em nossa conversa. Esperamos que gostem o tanto quanto gostamos de ter conversado com ele.

4.4.07

[EDITORIAL] Edição Número Zero

EDITORIAL
Por Felipe Leite Gil e Rogério Beier


Uma revista para ser lida! Eis o mote de Trialética, Revista de História e Humanidades, produzida por estudantes de História da USP e orgulhosamente inaugurada aqui.

Difícil descrever como surgiu a idéia de fazer a revista, uma vez que descobrimos que esta já estava latente em todos nós. Contudo, para materializar esta idéia foi necessário uma provocação, que acabou ocorrendo durante uma das aulas do 1º. ano de nosso curso, onde a professora reclamava da pouca iniciativa dos alunos em organizar quaisquer eventos que não festas ou cervejadas. Foi assim que, positivamente provocados pela professora e inspirados em nosso patrono, Sérgio Buarque de Holanda, passamos de bar em bar a discutir e formular os planos e direção de nossa revista.

Nessas discussões a revista tinha um objetivo bem claro, que era justamente o de ser um espaço acessível para que os alunos pudessem se iniciar na escrita de artigos de História. É justamente assim que vemos esta revista: um instrumento de prática de escrita que se posiciona entre a produção discente e a acadêmica, suavizando a transição entre ambos universos. Um espaço onde podemos publicar nossas idéias ainda enquanto aprendizes. Sobretudo, um espaço livre, já que não necessariamente conseqüente, onde se busca evitar o excesso de formalismos e rigores acadêmicos, sem também abrir mão de certa seriedade.

“Mas por que Trialética?”, você poderia perguntar. Bem, o nome acabou surgindo como uma brincadeira, ou melhor, uma provocação numa dessas conversas pseudo-filosóficas (o “falso” aqui, de forma alguma quer dizer “menos”), quando se julgou ser uma tarefa ingrata provar que alguém está errado ao expor um argumento contendo a palavra “dialética” e suas variantes. O mais curioso é que descobrimos ser igualmente complicado provar que se está certo. E nesta tarefa de provar alguém certo ou errado foi que surgiu o prefixo Tri da revista. Nela, acidentalmente acabamos descobrindo os três mandamentos fundamentais do universo, que, dado seu caráter dialético e infinito, acabou por nos parecer Trialético. “Mas quais são esses mandamentos fundamentais?”, você perguntaria mais uma vez. Quanto a isso, não se preocupe, acabaremos por explicar mais adiante nessa revista, ou você acabará intiuindo durante a leitura de Trialética.

Quanto ao subtítulo “Revista de História e Humanidades”, ele está aí porque acreditamos que nenhum assunto é tão restrito ao seu próprio campo que acabe criando áreas estanques. Em Trialética encontraremos artigos pautados nas pesquisas, trabalhos ou leituras que estivermos realizando, ao menos como forma de se externar o conhecimento adquirido com o dinheiro alheio. Nesse mesmo sentido, encontraremos também resenhas de livros acadêmicos (ou que julgamos ser “apenas” interessantes), além de entrevistas com pessoas que cremos importantes no universo da História e Humanidades. Estas aparecerão em nossa seção chamada Tertúlia com Tortillas, que encerra o núcleo tido como “mais sério” da revista.

Contudo, não somos tão sérios e sisudos assim. Trialética traz seções como Cuspida no Olho, cujo objetivo é publicar textos polêmicos e, dependendo do interlocutor, inúteis. Poetichaos e Zootropo, apresentando artisticamente a seção de poesia e cinema, além de assuntos diversos, dependendo do humor de nossos colaboradores.

Eis o que pretendemos que se torne a Trialética, e justamente com todas essas pretensões, encerramos este primeiro editorial. Só o futuro nos dirá quantas delas acabarão por se materializar, o que já não deixa de ser curioso, por se tratar de revista de história.

Obrigado e bem-vindos!
Trialética

1.2.07

ARTIGO: Paradoxo iluminista, a situação das mulheres no século das Luzes.

Por Liana Machado

O século XVIII é marcado pela transformação do pensamento humano. Numa época chamada conscientemente de Iluminismo, torna–se comum o pensamento liberal ordenado pela razão. A filosofia, a arte e principalmente a política terão suas bases, pouco a pouco, desconstruídas e novamente construídas de acordo com esta nova ideologia de pensamento. Época em que o homem despede-se do pensamento religioso e da explicação pela fé e começa a tomar conhecimento de si e de suas ações. Trazido para a imanência, o homem se vê responsável pelas rédeas do mundo. Clama-se pela individualidade, pela igualdade e acima de tudo pela razão e conhecimento humanos.

A partir do iluminismo passou-se a pensar o mundo de uma forma diferente. A razão imperava e as explicações agora seriam cientificamente comprovadas. Dentro dessa nova reflexão o papel das mulheres na sociedade também foi revisto, de uma maneira geral não havia como ignorar o assunto, já que as mulheres também pertenciam à sociedade. A situação das mulheres seria pensada também dentro deste campo cientifico, e muitos foram os filósofos iluministas que falariam sobre o papel das mulheres dentro da sociedade. E para esses filósofos qual seria este papel? Estariam elas – as mulheres – inseridas dentro da nova ideologia de liberdade, e igualdade? Seriam responsáveis também pelos acontecimentos humanos ou seriam apenas coadjuvantes do processo histórico?

A situação das mulheres refletia as contradições e paradoxos da ideologia ilustrada. De um lado, o ideário liberal e ilustrado acenava para a igualdade entre os sexos e para o necessário correlato social com deveres e direitos. De outro, esse mesmo ideário tinha como elemento central a separação entre o público e o privado, definindo o público, como de âmbito masculino e o privado como da esfera feminina. Tal situação provocou o embate entre igualdade entre os indivíduos e a conseqüente igualdade entre os sexos e a separação entre o publico e o privado.
Dentro desse paradoxo, havia pensadores avessos a uma eventual liberação feminina, assim como também aqueles repensavam a submissão das mulheres.

Rosseau, em Emilio ou da educação, dedica às mulheres apenas o último capítulo e de fato estas só aparecem quando Emilio está em idade de casar. Em busca da mulher perfeita para Emilio, Rousseau nos fornece logo nas primeiras páginas qual será o papel da mulher ideal: “A mulher é feita especialmente para agradar ao homem”. Para Rousseau as atividades das mulheres deveriam se restringir a esfera privada e para bem exercê-las deveriam ser educadas diferentemente dos homens, enquanto aos meninos eram ensinadas atividades que desenvolviam o intelecto e treinados para assumir as responsabilidades de bons cidadãos na esfera pública, as meninas deveriam ser educadas para cuidar dos filhos e da casa, manter a paz dentro do reduto familiar, para que os homens pudessem melhor exercer sua cidadania. Diferencia então o papel entre os sexos e nega a Razão às mulheres. Impossível seria não reconhecer contradições no pensamento rousseauniano; por que então seria a favor da sujeição feminina alguém que tanto lutou pela igualdade e liberdade entre os homens?

Muitos serão os pensadores do século XVIII que não tolerariam uma eventual independência feminina. Escritores como Molière, que escreve As Sabichonas, satirizando mulheres que tentavam se desvencilhar de seu inevitável futuro: o casamento. Em Espírito das Leis, de Montesquieu, há algo de muito interessante em sua reflexão sobre as mulheres; no capítulo da administração das mulheres, o autor considera contrario à razão e à natureza que uma mulher governe uma casa, porém não o é que governem um império, pois se é fraca para a administração da primeira é justamente esta fraqueza que “da-lhes maior doçura e moderação o que pode propiciar um bom governo”. Diderot, apesar de ter escrito romances que prestigiavam as mulheres, acaba por encerrá-las num espectro de sensibilidade e imaginação.

Mas nem só de inimigos viviam as mulheres do século das Luzes. Descartes, mais de meio século antes ao período ilustrado, ao afirmar autonomia do pensamento em relação ao corpo torna possível a igualdade intelectual entre os sexos. Voltaire, tido como grande defensor das mulheres, dirá que “Somos de um tempo (...) em que é preciso que o poeta seja filósofo e em que a mulher pode sê-lo ousadamente”.

A discussão abrangia diversos pontos do universo feminino. Eram dotadas, as mulheres, da capacidade de pensamento? Poderiam chegar à Razão? Se sim, como poderiam ser educadas para que isso acontecesse? Caso contrario, como deveriam ser educadas para que isso não acontecesse? Educar meninas como meninos seria torná-las homens e fazer com que perdessem suas qualidades femininas, não sendo, portanto, nem homem nem mulher? Diversas são as respostas dadas por estes pensadores do século XVIII. Respostas essas que precisam ainda de muita pesquisa e análise, mas discussões à parte, há de se lembrar que muitas mulheres deste mesmo século puderam romper com a sociedade e se tornarem pessoas influentes. Citarei duas em especial que foram analisada no livro Émilie, Émilie - A Ambição Feminina no Século 18, de Elisabeth Badinter; Madame du Châtelet, que viveria ao lado de Voltaire no castelo de Cirey, traduz Principia Mathematica, de Newton. Cientista brilhante esta Èmilie não ficou abaixo dos pesquisadores da época, se colocando, intelectualmente, em pé de igualdade com todos eles. Voltaire pode ter sido muito influenciado por Madame du Châtelet, ao acreditar na igualdade mental entre os sexos. A outra Èmilie, Louise d'Épinay, embora não tenha tido a erudição de Madame du Châtelet, recepciona em seu salão os maiores pensadores da época e escreve diversos livros sobre educação infantil. Muitas são as mulheres influentes neste século de mudanças, Mulheres que clamavam por liberdade e que ousavam “intrometer-se” no universo masculino. Participaram da revolução francesa, sendo uma delas Charlotte de Corday, responsável por uma guinada nos acontecimentos da revolução ao assassinar Jean-Paul Marat. Há ainda muito que se pesquisar as mulheres que, mesmo com toda a severidade de uma sociedade estabelecida nos direitos masculinos e na sujeição feminina, conseguiram sobrepujar sua condição de inferioridade e tornarem-se personagens ativos da História.

VALE A PENA LER:

Sempre que falamos em educação feminina no século XVIII esbarramos em Rousseau. Talvez por sua clara contradição entre a igualdade entre os homens e a igualdade entre os sexos. Sua obra Emilio ou da educação, influenciou muito as gerações futuras sobre a maneira como deveriam ser educadas as meninas. Citada acima, fica clara a posição de Rousseau com relação ao papel da mulher. Surge então no final século XVIII uma obra que dialogará diretamente com o texto de Rousseau; trata-se de A Vindication of the Rights of Woman (Em defesa dos direitos da Mulher) de Mary Wollstonecraft. Mary foi considerada por muitos a mãe do feminismo, embora seja um conceito um tanto difícil de se aplicar já que o feminismo ainda não existia como movimento. Criada com muitas dificuldades financeiras e educação um tanto precária, Wollstonecraft viria a se tornar uma brilhante mulher do século Iluminista. Entre outros escritos, talvez seja mesmo em Vindication que ela será imortalizada. Refutando diretamente os argumentos de Emilio, faz uma análise sobre a educação feminina colocando como empecilho às perspectivas da mulheres o fato de que as meninas eram criadas para serem frívolas e que isso barrava o processo de desenvolvimento intelectual e que portanto não seriam as mulheres naturalmente inferiores, mas que eram apenas criadas, com ou sem o seu consentimento, para o serem.

Ivania Pocinho Motta, faz a tradução de Vindication assim como produz uma brilhante análise da vida e da obra de Mary Wollstonecraft, mulher de vida e produção literária intensos, mesmo que o século das luzes tenha sido, particulamente para as mulheres, não tão iluminado assim.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BADINTER, Elisabeth. Émilie, Émilie: A Ambição Feminina no Século 18.
MOLIÈRE, Jean-Baptiste P. As Sabichonas.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis.
MOTTA, Ivania Pocinho. Em defesa dos direitos da mulher, de Mary.

WOLLSTONECRAFT. Um estudo.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio ou da Educação.

31.1.07

ARTIGO: Brasil, 500 anos de degradação do meio ambiente

por B. Oscar Correia

A derrubada de uma árvore para que fosse usada como cruz para a realização da primeira missa na recém descoberta Ilha de Vera Cruz, foi um prenúncio de como seria tratada a natureza.

Esta natureza que hoje chamamos de meio ambiente não passou incólume pelos diversos momentos econômicos do país. Data de 13 de março de 1797 a primeira carta régia que garantiu medidas no intuito de preservar as nossas florestas, o que foi totalmente rechaçada pelos autóctones, já que estes entendiam a natureza ao seu redor como paradisíaca, estando implícito neste pensamento o caráter de inesgotabilidade dos recursos naturais.

Assim sendo, pragmatismo e imediatismo foram, e até hoje são, os discursos hegemônicos de nossos governantes, onde os paradigmas da conquista de território, modernidade, progresso e por último a globalização, nortearam as ações neste pouco mais de 500 anos de Brasil cabralino.

É claro que todo país contemporâneo visa o progresso e isso demanda a utilização de seu território, sendo que o Brasil não está alheio a isto, porém em nosso país há um agravante; nunca houve a preocupação de desenvolvimento em concomitante a preservação do meio ambiente, sendo que a gênese da destruição ambiental aconteceu desde o período de extração do pau-brasil, que era extraído e levado em navios para a Europa sem nenhuma parcimônia, com isso o que o meio ambiente levou milhões de anos para construir o europeu destruiu quase que completamente em décadas.

Com o advento da empresa açucareira no Brasil o processo de degradação é potencializado, principalmente na orla, haja vista que a colonização portuguesa aconteceu a partir do litoral, sendo que a Mata Atlântica foi a maior prejudicada.

A propagação de engenhos de açúcar fez com que grande quantidade de madeira tenha sido queimada para alimentar seus fornos, chegando ao cúmulo do Rei de Portugal proibir a criação de novos engenhos.

Com a cultura do café o quadro não se altera, pelo contrário, a cafeicultura leva para ao interior da região sudeste a degradação propiciada pela empresa do açúcar no litoral. O período cafeeiro, portanto, manteve o paradigma de destruir a natureza em nome do progresso.

A cafeicultura teve um papel fundamental para a industrialização, porquanto o capital acumulado advindo do café foi fundamental para fomentar sua gênese.

É na industrialização que a degradação ambiental alcançou o seu ápice, haja visto que além da destruição do meio ambiente quando da construção da industria, também há a poluição do meio ambiente por meio de emissão de poluentes.

Diante deste breve relato sobre o processo de degradação, percebemos que urge mudanças drásticas em toda a sociedade, pois os modelos de produção e também de consumo leva a um desenvolvimento insustentável.

É necessário que procuremos novos paradigmas para nossa sociedade, desde a busca de novas matrizes energéticas, matrizes estas que sejam renováveis, até a simples reciclagem de embalagens de produtos industrializados.

Referencias Bibliográficas

MORAES, Antônio Carlos Robert. Território e história no Brasil. São Paulo: Hucitec/Annablume, 2002

DEAN, Warren. A ferro e fogo: A história e a devastação da Mata Atlântica. São Paulo. Cia das Letras. 1996

CARLOS, Ana Fani Alessandri. OlIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Geografias de São Paulo. São Paulo: Contexto, 2004.

POESIA: O Sentido da Vida

por Rogério Beier

Morrer deve ser como sentir saudades.
Saudades do que ainda não sou,
Saudades do que jamais serei.

Epicuro já dizia:
Morrer não deve ser de todo ruim.
Porque quando vivo, a morte está longe,
E quando morto, já não estou mais em mim.

Mas sim,
Morrer é ruim!
Não apenas pelo momento de morrer.
Mas pela privação do que está por acontecer.

Diferente do que diz Epicuro
A morte é um golpe duro.
Mesmo para quem está a morrer.
Para este, a morte priva o seu ser.

Seu impacto é profundo,
Pois no presente, destrói o futuro.
Privando o homem de seus projetos
Destruindo sonhos num único segundo

Pobre do homem
Que jamais vive para o presente.
Teme a morte por não saber
Se chegará a concretizar
O que vai vivendo para ser.

29-Jan-2007

ARTIGO: Modernidade, Falência ou Projeto Inacabado

por B. Oscar Correia

Modernidade, palavra que no censo comum nos remete a tudo que é novo, e o novo no tempo presente representa o que não venceu o prazo de validade, já o velho representa o que é retrógrado.

Porém a modernidade que aqui quero retratar, é a que o Iluminismo nos ofereceu, quando da quebra do paradigma teocêntrico para o antropocêntrico. O Iluminismo transferiu a fé na religião para a fé na ciência, ciência esta que disseminaria o conhecimento a todos os indivíduos, e que se auto-proclamava como sendo o arauto da libertação. Com isso o ser humano não mais seria prisioneiro dos dogmas religiosos que imperavam até então.

O discurso é sedutor e também verdadeiro, haja vista que a sociedade nunca mais seria a mesma, pois uma vez livre dos grilhões religiosos o ser humano passa a colocar em cheque muitos dogmas que estavam introjetados na sociedade.

A partir do Iluminismo, a sociedade ocidental experimentou um avanço nunca antes visto, houve avanço nas mais diversas áreas da ciência. Mas quem usufruiu e usufrui atualmente todo este cabedal de conhecimento? Será o cidadão comum? Será que o ser humano está livre do jugo da manipulação?

Percebemos que o ser humano recebe uma parcela deste conhecimento, todavia este parece-me longe de estar sendo contemplado com todo o conhecimento cultural necessário para a sua completa interação com o mundo, no intuito de tornar-se um sujeito crítico, atuante e útil para a sociedade. O que é indubitável atualmente é o uso da ciência a serviço da guerra e da dominação, o que foge completamente dos ideais iluministas.

Após este breve texto percebo que a pergunta feita no título é muito mais difícil do que parece. Para Habermas, um dos grandes pensadores da Modernidade negá-la é um erro, porém este acredita que ela é um projeto inacabado que necessita de um novo paradigma. Será que este paradigma tão ansiado por Habermas não está no passado? Na gênese do Iluminismo, que aspirava o conhecimento a todos ?

O progresso tem que emanar da sociedade e não de grupos ou de um Estado altamente concentrador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ROUANET, Sergio Paulo. As razões do Iluminismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.

Habermas, Modernety

CINEMA E HUMANIDADES: Blade Runner e a questão da morte

por Rogério Beier

Quem já assistiu ao clássico Blade Runner, o caçador de andróides, sabe que o tema principal do filme é a questão da finitude do ser humano, isto é, a morte. Nós, humanos, sempre fomos inconformados com o fato de que um dia cessaremos de existir, e vivemos nossos dias sempre a tentar postergar aquele que será o nosso encontro final. Está aí todo o progresso da medicina que não me deixa mentir sozinho.

Bom, após este pequeno preâmbulo, o que pretendemos é fazer um jogo imaginativo, através de uma passagem do filme, que te permita captar esse inconformismo que os humanos sentem frente a sua própria finitude.

Imagine que você saiba o dia de sua morte e que tenha a oportunidade única de conhecer o seu Criador, sem que para isso, obviamente, fosse necessário morrer. Imaginou? Muito bem! Agora pense que mais além do que meramente vê-lo, você poderá falar com Ele, isto é, você poderia trocar umas palavrinhas com Deus. Pegou a idéia? Pois bem, nessas condições, se essa oportunidade fosse realmente dada a você, o que você falaria ao seu Criador?

Para Roy Batty, personagem vivido por Rutger Hauer no filme Blade Runner, não foi tão difícil assim. Ao encontrar Tyrell, seu Criador e dono da Tyrell Corporation, a produtora dos replicantes Nexus 6, mandou uma frase que ficaria clássica entre os admiradores de Blade Runner: "Eu quero mais vida, seu escroto!". Simples e contundente! Demonstra perfeitamente o drama vivido pelos humanos diante de sua finitude.

ARTIGO: Os Judeus e o nome do Brasil (Parte 1)

por Rogério Beier

A CRUZ SEMPRE MARCA O LOCAL

Era mês de março quando a frota cabralina deixou Portugal com seus 1500 homens e treze caravelas em direção às Índias. O capitão da armada, Pedro Álvares Cabral, fora instruído pelo próprio rei D. Manuel a negociar o estabelecimento de uma feitoria portuguesa com o rei de Calicute naquelas terras, nem que para isso fosse necessário guerrear com ele, por isso frota tão numerosa e com tantos homens.

Pouco mais de um mês após deixarem Portugal, Cabral avista um morro “mui alto e redondo”, ao qual batizou Monte Pascoal, por estarem no dia de Páscoa. Às terras que rodeavam o monte, ordenou que fossem chamadas de “Terras de Vera Cruz”, como relata em sua famosa carta o escrivão Pero Vaz de Caminha. O nome Santa Cruz só viria posteriormente, em 1501, quando D. Manuel escreve uma carta a seus sogros, os reis católicos de Aragão e Castela, para contar a boa nova das terras recém-achadas. A estas terras refere-se com santíssimo nome de “Terras de Santa Cruz”.

É curioso notar como esta viagem de Cabral é marcada pelo símbolo da cruz de modos bem diferentes. Um dos mais notórios é que as próprias embarcações portuguesas vinham com suas velas enfunadas com a insígnia da Ordem de Cristo, cujo emblema era justamente uma cruz branca sobreposta a outra vermelha.

A Ordem de Cristo foi uma ordem religiosa criada em Portugal pelo rei D. Dinis no ano de 1319. Ela acabou por substituir a famosa Ordem dos Cavaleiros Templários, extinta cinco anos antes pelo Papa Clemente V, que ordenou que seu grão-mestre, Jacques de Molay, fosse queimado vivo em uma praça pública próxima a Paris. Ao substituir a Ordem dos Cavaleiros Templários, a Ordem de Cristo acabou herdando não apenas o poder político destes últimos, mas também grande parte de suas propriedades e riquezas. Durante a expansão marítima portuguesa nos séculos XV e XVI, o grão-mestre da Ordem de Cristo era ninguém menos do que o próprio rei de Portugal, sendo todas as suas conquistas marcadas pela cruz da Ordem de Cristo, seja nos mastros das embarcações, ou nas insígnias e comendas que dependuravam dos pescoços dos comandantes das embarcações, geralmente, cavaleiros da Ordem.

Uma segunda maneira muito especial que a cruz acabou por marcar o que viria a ser o Brasil está relacionado não com as terras, mas com os céus dessa região. Sabemos através dos filmes e livros de piratas que, em seus mapas de tesouro, a cruz sempre marca o local onde este está enterrado. No caso do achamento do Brasil, apesar de a cruz não marcar exatamente onde estavam essas terras, ela serviu de guia para trazer os portugueses até as suas costas.
Segundo os relatos de Mestre João, cirurgião e “cientista” do rei que viajava na frota de Cabral, tão logo os portugueses cruzaram a linha do Equador, tiveram que se orientar através de outra constelação, uma que tinha forma de cruz e cujas estrelas eram tão grandes como as da constelação do Carro. O relato do Mestre João é o primeiro que se tem notícia a descrever a constelação do Cruzeiro do Sul que, de tão importante para o Brasil, posteriormente seria estampada na bandeira da república e de lá não sairia até os tempos atuais.

Tal fato, apesar de parecer banal, demonstra como a cruz marcou definitivamente o achamento dessas terras. Como diz Paulo Roberto Pereira em seu Três únicos testemunhos do Descobrimento do Brasil, o olhar terreno de Caminha sobre a Vera Cruz nomeada por Cabral se complementa com o perscrutar do céu austral do Mestre João, que também denominou este céu de Cruz, passando uma visão harmoniosa e a primeira versão escrita do céu e da terra do que viria a ser o Brasil. O rei D. Manuel complementaria a tríplice trave da cruz, um ano depois, ao batizar as “novas terras” de Santa Cruz (PEREIRA, 1999, pp. 70). Como se dizia dos velhos mapas de pirata: a cruz sempre marca o local.

FUGINDO DA CRUZ

Se deste lado do Atlântico a cruz acabou por marcar o achamento das terras que viriam ser chamadas Brasil, do outro lado deste mesmo oceano ela também marcaria o destino de um povo que, há muitos anos, vivia harmoniosamente na Península Ibérica com mouros e cristãos, os judeus.

Em março de 1492, pouco após a conquista de Granada, último bastião mouro na Península Ibérica, os reis católicos de Aragão e Castela assinariam o decreto de Alambra, onde estipulavam o prazo de três meses para que os judeus deixassem todos os reinos espanhóis. Tendo a vida deveras dificultada dentro de terras hispânicas, grande parte dos judeus decidiu se refugiar em Portugal, reino onde ainda gozavam de certa autonomia social e religiosa.
Apesar de certa divergência quanto ao número de judeus que teriam fugido para Portugal em fins do século XV, a historiografia tem registrado que mais de cem mil deixaram, juntamente com seus cabedais, os reinos de toda Espanha rumo a Portugal. Assim, de um momento pra outro, Portugal se viu inundado por uma onda gigantesca de judeus que o rei português, D. João II, permitiu entrar e permanecer em Portugal por oito meses mediante o pagamento de uma taxa de capitação de oito cruzados. Após este período, o rei prometera a livre saída dos judeus do reino, o que não seria cumprido. (BASBAUM, 2000, pp.84).

Em dezembro de 1497, D. Manuel, sucessor de D. João II, acabaria por ceder às pressões de seus futuros sogros, os reis católicos de Aragão e Castela, e às vésperas de seu casamento com a princesa de Espanha, também decretaria a expulsão dos judeus de Portugal. Contudo, como diz Arnold Wiznitzer em seu já clássico Os judeus no Brasil colonial, o termo “expulsão” não é o mais correto para designar o tratamento dedicado aos judeus pelos portugueses. Segundo Wiznitzer, apesar do rei português desejar a expulsão, ele não queria abrir mão da riqueza deste povo, bem como, de suas habilidades comerciais e científicas. Assim, ao invés de expulsar os judeus, acabou por converter “aproximadamente 190.000 judeus residentes em Portugal, quase 20% da população total do país.” (WIZNITZER, 2000, pp.1). Com a conversão forçada, D. Manuel acabava de criar o problema do criptojudaísmo em Portugal. Uma vez que toda a população judaica fora obrigada a se converter ao cristianismo, é razoável supor que boa parte da primeira geração de cristãos-novos era constituída por indivíduos que certamente judaizavam, ou seja, seguiam praticando a religião judaica de modo oculto, apesar de convertidos ao cristianismo.
Apesar de forçar a conversão dos judeus e criar o que viria a ser conhecido como cristãos-novos, maneira de se diferenciar aqueles que já eram cristãos dos judeus recém-convertidos à força, D. Manuel acaba decretando leis para evitar a perseguição dos cristãos-novos em Portugal temendo que estes deixassem o reino com seus bens. Segundo Salvador José Gonçalves, em Cristãos-novos, jesuítas e inquisição, D. Manuel determinou uma lei que impedia os portugueses de indagar qualquer coisa sobre o passado dos cristãos-novos que residiam em Portugal pelo prazo trinta anos. (SALVADOR, 1969, pp. XIX-XXVII).

Embora estas leis tivessem o objetivo de proteger os cristãos-novos da intolerância religiosa que crescia diariamente entre os cristãos, o cerco sobre os cristãos-novos foi apertando cada vez mais em Portugal. Já no começo do século XVI, os portugueses culpavam-nos por todos os males que recaíam sobre o povo. Wiznitzer conta o caso do terremoto de 1531 que destruiu parte de Lisboa. Neste episódio, o povo português acabou por atribuir o terremoto à ira de Deus contra a presença de judaizantes em Portugal.

Por fim, no ano de 1536, após grande hesitação papal e, há até quem diga, suborno do rei português D. João III, a inquisição foi finalmente instalada em Portugal. Basicamente seu objetivo era descobrir e punir severamente os cristãos-novos que insistiam no crime de judaizar.
Foi justamente neste contexto que o Brasil começou a se constituir uma excelente opção de fuga para os cristãos-novos perseguidos pela Inquisição portuguesa. Aliado ao medo da Inquisição, as excelentes oportunidades de lucro que estas terras prometiam a quem viesse com dinheiro suficiente para estabelecer seus negócios por aqui foi, sem dúvida, outro fator que atraiu os cristãos-novos para a América Portuguesa. Sabe-se que a partir de 1530, Portugal inicia o projeto de colonização de seus vastos espaços americanos que eram constantemente ameaçados por ingleses e franceses. Por não ter colonos suficientes para aventura de tamanha envergadura, a coroa não se importava em fazer uso dos cristãos-novos para tal empreitada, muito pelo contrário, diversos autores destacam o grande número deles aportando no Brasil, especialmente no nordeste, a partir da década de 30 do século XVI.

Portanto, é certo afirmar que muitos cristãos-novos vieram ao Brasil em busca das excelentes oportunidades de negócio e lucro, como outros tantos, mas é inegável que grande parte deles acabou vindo parar em costas brasileiras fugindo justamente da cruz e da sombra nefanda da inquisição que a empunhava. Ironia do destino ou não, essa mesma cruz da qual fugiam em Portugal, marcava profundamente a terra para a qual estavam fugindo, como vimos anteriormente, o próprio nome da terra para a qual vinham era marcado pela símbolo da cruz e por sua religião.

PARA SABER MAIS:

BASBAUM, Hersch W. A saga do judeu brasileiro: a presença judaica em Terras de Santa Cruz. São Paulo: Edições Inteligentes, 2000.
PEREIRA, Paulo Roberto. Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil. São Paulo: Lacerda, 1999.
SALVADOR, José Gonçalves. Cristãos-novos, jesuítas e Inquisição. São Paulo: Livraria Pioneira/Edusp, 1969.WIZNITZER, Arnold. Os judeus no Brasil Colonial. São Paulo: Livraria Pioneira/Edusp, 1966.

29.10.06

QUADRINHO: Mota, o neoliberal!

O VOTO E O ANALFABETO...
por Rogério Beier


Conversa sobre política no meio do expediente com Mota, o neoliberal.

- A culpa desse governo corrupto que aí está é desses malditos analfabetos, que trocam o voto por cesta-básica ou por promessas de bolsa-família, fome-zero e afins.

- Mas Mota, o Lula ganhou com mais de 50 milhões de votos. Não foram só os analfabetos que votaram nele.

- Não interessa, no Brasil só deveria ter direito a voto quem tivesse concluído, no mínimo, o segundo grau.

- Ô loco, Mota! Mas isso não seria democracia.

- E quem disse que a democracia vale para os analfabetos?

- Ah! Entendi. Então a democracia só é válida quando favorece os seus desejos, anseios e interesses.

- Não é isso! É que esses analfabetos não são capazes de escolherem representantes para todo o Brasil. Não podemos depender dos votos deles para decidirmos o que é o melhor para o país. E tenho dito!

POEMA: Palavra

PALAVRA
por Rogério Beier


Sem palavras,
O mundo não existe.
Mas com elas,
Ganha formas, atributos e significados infinitos.
Azul, bonito, injusto, cruel...
Outro dia o mundo era uma bola de futebol
num desses comerciais de TV.
A palavra define o mundo.
A palavra é tudo e tudo é palavra.

Como parte do tudo
Também sou palavra
E assim sendo, posso ser qualquer coisa,
Mas Não coisa qualquer.
Cuidado!

O Aurélio diz que posso ser de Asno à Zoólogo
Mas quem é o Aurélio para dizer quem sou?
Ele nem me conhece!
Nem Asno, nem zoólogo.
Sou apenas eu. Indefinível.

Mas se o Aurélio não pode definir quem sou eu.
Então quem pode?
Será que há palavras que encerram todo o meu ser?
Se eu puder escolher uma,
Quero ser uma proparoxítona.
Elas são raras, as danadas.
De tão raras, gramáticos decidiram que todas devem levar acento:
Único, último, fantástico, parapsicólogo...
Não é bacana???
Ainda assim, nem mesmo elas podem me definir completa e permanentemente.

Mas também, que mania boba essa de querer definir tudo.
Não posso ser indefinível?
Tenho que ser escravo das palavras
E viver preso à elas para sempre?
(...)
(...)
O pior é que tenho.
O mundo todo tem.
Somos reféns das palavras.
Sem elas, voltamos ao princípio.
E "NO princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus."
O que dizer mais?
Estou sem palavras!

EDITORIAL: A Trialética

[1]
[2]

No princípio, antes mesmo daquela grande explosão e dos dinossauros, existiam três fundamentos fundamentais a saber:

1) Sempre existe um idiota [3];
2) Nunca dá tudo certo;
3) O cinismo resolve tudo [4].

Como esses fundamentos são, necessariamente, auto-geradores - moto-contínuo - eles se tornam as três dialéticas da humanidade.

DIALÉTICA [5]

Um conceito inteiramente certo, por ser impossível de ser provado inteiramente errado. Usa-se quando se quer parecer inteligente, ou seja, idiota, ou seja, nunca dá tudo certo, ou seja, cinismo sempre resolve, ou seja, infinitamente.Chegamos então a:

TRIALÉTICA

a. Supera a dialética por ser infinito.
b. Logo, Trialética é o todo.
c. A unidade é a Trialética.

NOTAS DE RODAPÉ:

[1] Se você não entender nada, sussa, dá tudo exatamente na mesma.
[2] Como foi formulada por bons historiadores, o texto da Trialética já se inicia com notas de rodapés.
[3] Se você não reconhece nenhum idiota, perigas de o idiota ser você. Mas não se preocupe, isso não exclui a possibilidade de infinitos idiotas.
[4] Se não der certo (afinal, nunca dá tudo certo) tente usar a verdade, apesar desse negócio de Verdade ser de um cinismo absoluto.
[5] Decidimos conceitualizar as idéias aqui utilizadas para que os filósofos não acusem injustamente os historiadores de não terem conceitos.