4.9.07

CUSPIDA NO OLHO: Eduardo Bueno: apropriação ou disseminação do conhecimento histórico?

Apesar de muitos historiadores torcerem o nariz para o jornalista Eduardo Bueno, eu tenho aprendido a respeitá-lo muito, especialmente neste último ano, em que cursei meus primeiros dois semestres do curso de História. Apesar do tremendo clichê, um cara que consegue fazer com que a História pareça menos chata ao público não "iniciado", vendendo centenas de milhares de livros que versam, basicamente, sobre História do Brasil e Ibérica, só pode merecer todo o meu respeito e admiração.

Durante muitos anos, acreditou-se que as pessoas não gostavam de História, uma vez que não consumiam a produção dos historiadores de fato, isto é, os acadêmicos. Contudo, nos últimos anos, temos visto uma explosão editorial de publicações que abordam a história sobre os mais diferentes pontos de vista. Tal explosão põe em cheque a antiga crença de que o público brasileiro não gosta de História. Hoje, se passarmos em frente a uma banca de jornal razoavelmente abastecida, veremos um sem-número de publicações cujo tema central é História. Mais do que isso, veremos que tais publicações conseguiram obter relativo sucesso editorial, tendo a maioria logrado publicar mais de 24 edições, ou seja, dois anos consecutivos. Há desde revista publicada pela Biblioteca Nacional, escrita por historiadores acadêmicos e pesquisadores do seu acervo, até revistas de grandes editoras que acabam abrindo espaço para que os leitores enviem seus textos para seleção do conselho editorial da revista. Isso sem falar nas revistas temáticas sobre guerras, revistas de História em espanhol, e até mesmo em inglês. Ao contrário do que se pensava, parece que o tema história é realmente atrativo a um público bem diversificado de leitores, atingindo mesmo aqueles que não seguiram carreira acadêmica na área de História. Ao constatarmos isso, nos perguntamos: até que ponto podemos dizer que a população em geral não gostava de História? Será que o problema não estava na narrativa dos antigos historiadores que não conseguiam atrair o público para os resultados de suas pesquisas?

A resposta se obtém com uma rápida análise do sucesso obtido pelas obras de Eduardo Bueno junto ao público não especializado. Raros são os historiadores que conseguem atingir os mesmos níveis de estatísticas de vendas e chamar tanta atenção para seus trabalhos, da forma como Bueno vem fazendo nos últimos dez anos com sua obra. Recentemente estive lendo alguns de seus livros, em especial um sobre o pau-brasil, publicado em 2002 pela Axis Mundi e fiquei bem satisfeito com a qualidade editorial e de conteúdo do livro. Historiadores que o criticam por se apropriar das pesquisas dos outros e não partir para pesquisa de campo talvez precisem rever suas posições. Pau-brasil é um livro bem pesquisado que propõe, dentre outras, uma abordagem bastante instigante quanto aos primeiros anos da exploração do pau-brasil nas costas brasileiras, sugerindo algumas implicações como um pré-descobrimento do Brasil pelos mesmos portugueses, por exemplo. Para essa afirmação, utilizam como base documentação primária que afirmam a exploração dessas árvores já na primeira viagem dos portugueses comandada por Cabral. Utilizando uma lógica clara, os autores questionam como os portugueses, que jamais haviam visto as árvores de pau-brasil na vida, a reconheceram rapidamente no meio da exuberante mata Atlântica em questão de uma semana, já levando exemplares da madeira na primeira naveta que retornou a Portugal logo após o descobrimento.

Enfim, o objetivo não é destacar um livro, mas chamar atenção para o fato de que talvez alguns historiadores se sintam enciumados ao verem um jornalista tomar o espaço e ganhar o respeito da comunidade por exercer uma atividade que, na cabeça deles, cabe exclusivamente a um historiador, mesmo que este não tenha a menor aptidão de se conectar com seu público através do seu texto.

Como estudante de História, minha modesta opinião é que nós, historiadores (e futuros historiadores), devíamos deixar um pouco de lado este ranço que parece existir contra os jornalistas e passarmos a nos preocupar um pouco mais com a narrativa de nossos trabalhos, uma vez que o espaço que está sendo aberto no mercado editorial deve-se, em boa parte, justamente a esses jornalistas que tornaram a História algo um pouco mais palatável ao público não especializado.

Na verdade, entendo que deveríamos aproveitar essa abertura do mercado para as produções da área de História, pois esta é uma rara oportunidade, não só de publicarmos nossos trabalhos, mas também de divulgarmos o conhecimento histórico a um público que foi considerado pela própria academia como inculto e desinteressado. Vejo esta como uma boa oportunidade de cevarmos e cativarmos este público, ajudando a reverter o atual quadro do descaso cultural, levando um pouco mais de conhecimento a uma população tão carente, que vive do consumo do lixo cultural enlatado empurrado pela TV aberta através de suas novelas, reality shows e programas de auditório.

Portanto, entendo que cabe a nós fazermos de nossos livros, textos mais interessantes e abrangentes, isto é, não voltados apenas aos nossos pares, antes de criticarmos quem consegue transformar essas nossas mesmas pesquisas em livros atrativos a um público que freqüentemente voltávamos as costas.

Por Rogério Beier
Mar/2007

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